Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
BIOGRAFIA
Poeta e cronista brasileiro. Sua obra traduz a visão de um individualista comprometido com a realidade social.
Na poética de Carlos Drummond de Andrade, a expressão pessoal evolui numa linha em que a originalidade e a unidade do projeto se confirmam a cada passo. Ao mesmo tempo, também se assiste à construção de uma obra fiel à tradição literária que reúne a paisagem brasileira à poesia culta ibérica e européia.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira - MG, em 31 de outubro de 1902. De uma família de fazendeiros em decadência, estudou na cidade natal, em Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte, começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro.
Ante a insistência familiar para que obtivesse um diploma, formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Fundou com outros escritores A Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. Excelente funcionário, passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil.
Predomínio da individualidade. O modernismo não chega a ser dominante nem mesmo nos primeiros livros de Drummond, Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), em que o poema-piada e a descontração sintática pareceriam revelar o contrário. A dominante é a individualidade do autor, poeta da ordem e da consolidação, ainda que sempre, e fecundamente, contraditórias. Torturado pelo passado, assombrado com o futuro, ele se detém num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista melancólico e cético. Mas, enquanto ironiza os costumes e a sociedade, asperamente satírico em seu amargor e desencanto, entrega-se com empenho e requinte construtivo à comunicação estética desse modo de ser e estar.
Vem daí o rigor, que beira a obsessão. O poeta trabalha sobretudo com o tempo, em sua cintilação cotidiana e subjetiva, no que destila do corrosivo, no que desmonta, dispersa, desarruma, do berço ao túmulo -- do indivíduo ou de uma cultura.
Em Sentimento do mundo (1940), em José (1942) e sobretudo em A rosa do povo (1945), Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo. A surpreendente sucessão de obras-primas, nesses livros, indica a plena maturidade do poeta, mantida sempre.
Ceticismo coerente - O que se pode observar em seguida, no caminho que vai de Novos poemas, contidos em Poesia até agora (1948), até Boitempo & A falta que ama (1968), e particularmente nesses marcos de poesia pura que são Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar (1953) e A vida passada a limpo (1959), é o retorno do artista sobre si mesmo e sobre o que, do mundo e da sociedade, se fez substância sua, compôs seus mitos particulares, seu mágico território de pedra e sombra. Basicamente, a visão que oferece, de si próprio e da realidade brasileira e universal que filtra, é ainda de um profundo ceticismo.
Acha-se nesse ceticismo sua contradição de mais viva coerência. Entre passado e futuro, entre orgulho e humildade, entre o que perde e o que conquista, assume a consciência triste de uma transição brasileira da produção e propriedade agrícola para um processo de industrialização desenraizado e voltado para o consumo, às vezes forçado, dos frutos de uma contemporaneidade tecida de antagonismos. Estaria nessa consciência um Drummond inalterável, essência mesma do que se renovou e se reinventou a cada novo poema ou livro. Um Drummond pesquisador incansável, que incorporava todas as novas aparências verbais do contingente, na precisa medida em que permanecia idêntico a si mesmo.
Essa identidade, se triste, vale-se de duas mediações fundamentais com o real envolvente: no terreno da relação com os outros seres, acena com o amor, ainda que amargo, que lhe percorre a obra inteira; e, no plano de sua efetivação material, com o trabalho poético, a severa manipulação de seus instrumentos. No exercício de uma linguagem freqüentemente conceitual, de extraordinária inventividade metafórica, situada entre as que detêm mais alto índice de eficiência e expressividade poética na literatura de língua portuguesa, Drummond lança mão de recursos muito característicos e reveladores de uma concepção funcional e objetiva da dicção do poema.
Ressaltam em sua técnica, além do meticuloso domínio de todos os ritmos verbais, o uso de um amplo esquema de repetições e reiterações expressivas, a associação semântica e fonética de palavras, a revalorização do emprego da rima de um ponto de vista estritamente utilitário, a invenção vocabular, a incorporação consciente de um léxico tradicionalmente extrapoético oriundo do cotidiano urbano -- elementos que, em conjunto, reformam a fundo e aprimoram ao máximo a melhor vertente de um bem-escrever de literatura brasileira ainda de olhos postos na civilização européia. Drummond é a culminância dessa literatura e anunciação de outras.
Outras obras - Além das obras citadas, Carlos Drummond de Andrade publicou Poesias (1942), que reúne os livros anteriores e inclui José; Poesia até agora (1948), em que se acrescentam os Novos poemas; A mesa (1951), que também aparece em Claro enigma; Viola de bolso (1952) e Viola de bolso, novamente encordoada (1955), coletâneas de sua poesia de circunstância, cuja qualidade não desmerece o restante da obra; Fazendeiro do ar & poesia até agora (1954), onde o primeiro, já mencionado, se acrescenta às obras anteriores; Soneto de buquinagem (1955), incluído na segunda edição da Viola de bolso; Cinqüenta poemas escolhidos pelo autor (1958); O ciclo (1957); Poemas (1959), em que se acresce aos livros precedentes A vida passada a limpo.
Em Lição de coisas (1962), além de reafirmar seus temas principais em poemas admiráveis, o poeta atinge um ponto alto de sua experimentação formal. Seguiram-se Antologia poética (1962), Obra completa (1964), Versiprosa (1967), José & outros (1967), Reunião (1969), Menino antigo (1973), Impurezas do branco (1973), Amor, amores (1975), Corpo (1984), Amar se aprende amando (1985).
Obras do poeta foram traduzidas para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas. Drummond foi seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influente da literatura brasileira em seu tempo. Também publicou vários livros em prosa. Seus Contos de aprendiz (1951), em que o mestre não está menos presente, se juntam à obra de um excelente cronista, notável pela apreensão inteligente e sensibilíssima do dia-a-dia social e brasileiro, em títulos como Confissões de Minas (1944), Passeios na ilha (1952), Fala, amendoeira (1957), A bolsa e a vida (1962), Cadeira de balanço (1966), Caminhos de João Brandão (1970), O poder ultrajovem (1972), De notícias & não notícias faz-se a crônica (1975), Boca de luar (1984) e O observador no escritório (1985). Traduziu Balzac (Les Paysans, 1845; Os camponeses), Choderlos de Laclos (Les Liaisons dangereuses, 1782; As relações perigosas), Marcel Proust (La Fugitive, 1925; A fugitiva), García Lorca (Doña Rosita, la soltera o el lenguaje de las flores, 1935; Dona Rosita, a solteira), François Mauriac (Thérèse Desqueyroux, 1927; Uma gota de veneno) e Molière (Les Fourberies de Scapin, 1677; Artimanhas de Scapino).
Alvo de admiração irrestrita, tanto pela obra quanto pela retidão de seu comportamento como escritor, Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, em 17 de agosto de 1987, poucos dias após o desaparecimento de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade.
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